Mário Geisse é engenheiro agrônomo e enólogo chefe da Casa Silva, uma das vinícolas mais conceituadas do Chile. Divide uma agenda lotada com sua segunda pátria, o Brasil, onde produz vinhos com a assinatura Cave Geisse, considerada por muitos especialistas como dona dos melhores espumantes nacionais. Há mais de 3 décadas, como diretor da gigante francesa Chandon, que então chegava ao Rio Grande do Sul, ele foi o visionário que vislumbrou o potencial da região de Bento Gonçalves e iniciou um mapa para a produção de vinhos de alto padrão, mais especialmente os espumantes. Pela qualidade e inovação de seu trabalho, é constantemente destacado em toda a imprensa especializada internacional, mas mantém um jeito simples e bem humorado, não se furtando a detalhar toda a sua paixão pelo vinho. Na varanda do charmoso restaurante da Casa Silva, em companhia de seu diretor de negócios Tomas Wilkins, “el loco Mário”, como é chamado intimamente por aqui, nos concedeu esta entrevista, enquanto degustamos algumas de suas obras primas, entre eles o 5a Generacion, um delicioso blend de Sauvignon Blanc, Chardonnay, Viogner e Sauvignon Gris e o seu tinto ícone, o “Alturas”, (Cabernet Sauvignon, Carmenere, Sirah e Petit Verdot) safra 2008, resultado das melhores parcelas do micro terroir de Los Lingues, devidamente acompanhado de uma paleta de cordeiro cozida lentamente por 6 horas, simplesmente divina.
Aqui na Casa Silva se respira um clima calmo e familiar. Ao mesmo tempo em que se unem a força da natureza dos Andes, o amor pelo esporte e é claro, a paixão ancestral pelo vinho. Você acredita que todo este vigor de alguma forma passa para a garrafa?
O vinho é o resultado de uva, lugar, clima, solo… mas tudo isso é conjugado “pelo homem”. Ao final, é a sua atitude e a forma como ele vê a própria vida que de alguma maneira passa para o vinho, como passaria para o quadro de um pintor. Acreditamos numa filosofia que difere vinhos com e sem alma.
Você foi uma espécie de “desbravador” do terroir brasileiro quando veio com a Casa Chandon em 1977. Foi então o primeiro a apostar em nossa vocação para se fazer bons espumantes. Como é ser reconhecido como uma página da história vitivinícola brasileira?
Para mim e minha família, diria que é uma sensação de orgulho e satisfação. Quando comecei não esperava nada, só trabalhar no que gosto. Sou muito grato por este reconhecimento e pelo compartilhamento desta paixão. Sinto que o consumidor brasileiro também é um apaixonado. Voltando ao pintor e seus quadros, é como quando alguém desfruta e comunga desta arte. O maior prazer não é vender, senão produziria suco de uva e não vinho. Me sinto grato em ser reconhecidos num solo aonde não nasci mas pus raízes, em todos os sentidos (rs). Sou chileno de nascimento e brasileiro por opção.
A mais conceituada crítica de vinhos da atualidade, Jancis Robinson, considerou o Cave Geisse Brut 1998 como um dos melhores que ela já provou nos últimos tempos…
Creio que Jancis estava segura de que ela mesmo não seria criticada por esta “audácia”. Na Wine Future, uma das feiras mais importantes do mundo, ela apresentou nosso espumante brasileiro em vez de um Champagne. Muitos especialistas presentes ali nem sequer sabiam que se fazia espumantes no Brasil. Também quando a revista americana Wine Enthusiast me visitou fiquei contente não só pelo que significa para mim, mas para o Brasil. Você sozinho não é nada no mundo e eles vieram por si mesmos. Bem, todo reconhecimento é importante. Mas o do consumidor representa mais.
Fora o seu toque como agrônomo e enólogo, quais as principais características que o terroir em Pinto Bandeira aporta ao seus vinhos?
Em geral, ele possibilita obtermos uma uva típica para espumantes, com boa acidez e baixo teor de açúcar. Há muitos espumantes no mundo mas nem sempre há boas condições para se fazer um bom vinho base (antes da espumantização) para eles. A região de Champagne faz sucesso porque tem estas condições. E em geral que é pouco desejável para vinhos tranquilos é bom para se fazer espumantes.
Como você vê o futuro do vinho brasileiro? Podemos evoluir mais também nos tintos?
Podem e irão evoluir na medida em que tanto o produtor quanto o consumidor definam que tipo de vinho é o melhor que pode ser feito. O erro é tentar fazer o que não encontra correspondência nas condições do terroir brasileiro. Você gosta de musica clássica, mas a música do dia a dia também é boa. A indústria do Brasil no meu entender deve se conscientizar de forma definitiva que a vocação, de acordo com as condições naturais, é para se fazer vinhos frescos, de persistência média, boa acidez… que podem inclusive por isso, se guardar. Um vinho que justifique sua ligeireza não é um vinho defeituoso. Do contrário, se eu pego por exemplo um Chardonnay da Califórnia para fazer espumantes, também pode ser um erro. A estratégia é ganhar um nicho e convencê-lo de que há um momento para se beber este vinho que tem uma proposta autêntica, bebido numa temperatura um pouco mais fresca, que combina com a comida brasileira do cotidiano. O problema é que muitos querem fazer vinhos complexos e caros, por vaidade. Quando o segredo talvez seja fazer vinhos bons verdadeiros e simples. Lembrando que há exceções inclusive nos tintos. E sobre os espumantes, o brasileiro está tomando consciência de que ele pode beber um vinho nacional de qualidade internacional, melhor até que alguns Champagnes, quando se observa a relação preço x qualidade.